Lunes, 28 Mayo 2018

Museo del Sertão, la conciliación entre crear y preservar

Quando era menino, em Nossa Senhora  da Glória, no sertão de Sergipe, Cícero Alves dos Santos não gostava de  brincar com as outras crianças. Preferia ouvir as histórias de Caipora, Lobisomen, Fogo corredor, Mulher de Padre e de Cordel  contadas pelos velhos sertanejos.

por Sylvia Leite, Sergipe, Brasil

Quem assistia aquilo, achava uma escolha muito estranha e dizia que ele estava assumindo um comportamento de "Véio".  
O apelido permaneceu por toda a  infância, entrou pela adolescência, vida adulta e acabou se tornando seu  nome artístico. Se ainda estivessem vivas, as pessoas que lhe batizaram  assim saberiam agora que ele sempre brincou, mas tinha uma brincadeira  própria: viajar pelo mundo encantado das histórias que escutava.
 
O imaginário mítico foi  pouco a pouco se materializando em esculturas de madeira que hoje  habitam inúmeros compartimentos de um sítio em Feira Nova, município  vizinho à sua terra natal. As árvores transformadas, dispostas lado a  lado, parecem pequenas florestas de vultos, iluminadas por réstias de  sol que entram pelas gretas dos telhados.
 
Em quartos vizinhos, e algumas vezes até ocupando o mesmo espaço,  encontram-se velhas ferramentas das mais diversas profissões. Essas duas  faces do artista, traduzidas por ele mesmo como "o desejo de criar e de  preservar", são as  vertentes do Museu do Sertão.

A vida extraída de árvores mortas
A face criativa poderia ser  classificada em três variedades: os bichos, as figuras humanas e as  miniaturas. A escolha do tipo e do tema depende da hora, da vontade e do  material disponível. "Eu  olho o galho e já sei o que fazer" revela VÉIO. Ele diz que pensa,  executa, dá nome e cria a história de cada peça, mas adverte: "não é  história escrita, a história é pra mim. Se chegar alguém aqui que eu  achar que mereça eu falar de alguma peça, eu vou falar ..."

A escultura da galería, por exemplo,  traz à tona a paixão do artista pelas tradições. É inspirada em grupos  religiosos conhecidos como "Penitentes", que saem às ruas encapuzados e vestidos de branco, geralmente na Semana Santa, rezando pela purificação das almas. Já o cachimbo expõe seu lado espirituoso. Traz uma caveira para mostrar o destino de quem pita.  
 
Véio  esculpe ora em galhos ou troncos secos, ora em raízes e faz questão de  deixar claro que não é desmatador. Pelo contrário. O que faz, segundo  acredita, é "dar vida ao que já  está morto". O jeito encontrado para usar madeira sem destruir  foi procurar, no mato, árvores caídas naturalmente ou, na área  urbanizada, aquelas que por questões de segurança precisaram ser  arrancadas.
 
No Museu do Sertão tem peça de todo tamanho. As maiores ultrapassam a  altura do artista, enquanto as menores cabem em sua mão e algumas chegam  a ser esculpidas em palitos de fósforo. Além de ser fascinado pelo  detalhe, Véio vê nas miniaturas uma forma de comunicar ao mundo que o  tamanho não importa:  "a peça pode ser pequena e ter mais valor que uma  grande"
Esse talento para esculpir obras minúsculas surgiu na  infância, por volta dos cinco anos de idade.
 
O material era a cera de abelha. Ele  trabalhava escondido e quando surgia alguém apressava-se em desmanchar  tudo para não ser pego em flagrante. Era assim porque sua família e toda  a vizinhança confundiam esculpir com brincar de boneca, uma atividade  proibida para os homens.
 
 Na época, o maior desejo de Cícero era poder manter as esculturas inteiras, à sua volta, para admirá- las  –  um sonho que só foi realizado décadas depois com a compra da terra que hoje abriga o Museu do Sertão.
 
Histórias de vida contadas pelas ferramentas de trabalho
 Esculpir e admirar as próprias obras não é suficiente para o artista. Se  na infância ele gostava de estar com os velhos, na medida em que foi  amadurecendo parece ter substituído essa companhia pela de máquinas e  instrumentos antigos.
 
São  ferramentas de marceneiros, carpinteiros, ferreiros, pedreiros,  costureiras, fiandeiras, moleiros, que ele arrecada com parentes, amigos  e conhecidos. Muita gente já sabe de sua paixão pelos instrumentos e  tem prazer em colaborar. Conta-se que Véio já foi até incluído em  testamento como herdeiro de uma roca. É que a dona da peça queria ter  certeza de que seu instrumento de trabalho seria preservado no museu.
Além de coletar, ele também faz questão de saber como as ferramentas  funcionam. Busca as informações para sua satisfação pessoal e para poder  explicar aos visitantes. Sabe como utilizar todas as peças e conhece as  etapas do dos aparatos mais complexos como, por exemplo, a casa de  farinha.
 
Criando e preservando com maquete e pesquisa histórica
O desejo de criar e preservar foi fundido por Véio em um terceiro  projeto: o resgate da memória da cidade natal, Nossa Senhora da Glória,  na época de sua fundação, quando ainda se chamava Boca da Mata. Por meio  de uma maquete que ele próprio esculpiu, o artista resgatou não apenas a  aparência das casas e o traçado da cidade, mas também os aspectos  culturais e religiosos do lugar. Tudo de maneira informal e sem escrever  uma só linha.
Para complementar a maquete e tornar a memória ainda mais viva, Véio  pretende fazer o que ele chama de "uma construção que vai mostrar como  foram as primeiras moradias da região". O passo inicial já foi dado com a  aquisição de lajotas de cerâmica extraídas de uma casa construída em  1901, que o artista exibe como um troféu.
 
Ganhando o mundo
A vertente de preservação do Museu é conhecida de poucos, mas a de  criação já ganhou asas. Em 2017, o sertanejo conhecido em sua terra  natal como "o cara que faz bonecos" foi um dos dez contemplados com o  Prêmio Itaú Cultural 30 anos, promovido, segundo os organizadores, para  destacar artistas cuja contribuição impactou o cenário cultural  brasileiro nas últimas três décadas. Em 2018, a exposição intitulada  "Véio - a imaginação da madeira", ocupou três andares do prédio do  Instituto na Avenida Paulista.
 Mas antes disso, o trabalho do artista sergipano já tinha ido muito mais  longe. Em 2012, algumas de suas obras integraram a coletiva Histoires de Voir, da Fondation Cartier, em Paris e quatro de suas obras  hoje fazem parte do acervo da instituição.  Três anos depois, o artista inaugurou uma exposição individual em  Veneza, paralelamente à Bienal, com 109 obras, patrocinada por uma grife  italiana.
 
Autêntico e irreverente, Véio vem construindo ao longo dos anos um  verdadeiro Museu Vivo. Há vida em seu ateliê, que ocupa um dos  quartinhos do sítio; há vida nas obras, que vão se acumulando dia a dia;  há vida nas ferramentas que manuseia e descreve; há vida em todas esses  movimentos que  fazem o museu caminhar junto com seu autor, seguindo a  ligeireza do tempo.

Há vida, também, nas visitas, que precisam ser  agendadas previamente e contam com a monitoria do próprio Véio.

*publicado en  www.lugaresdamemoria.com.br

L/D

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